A esquerda no divã - Parte II
( continuando )
Caro Rodrigo,
Caro Rodrigo,
Não sei se é pessoa para se questionar diariamente sobre os seus actos, omissões, pulsões...
Pois eu sou. Interrogo-me metodicamente acerca de tudo o que faço. Um acto falhado, uma exasperação súbita...e lá estou eu novamente, perdido em circunlocuções e solilóquios, à procura do fio que desenrola o terrível novelo da existência.
Tomemos como exemplo a esquerda. Mais concretamente, o facto de uma pessoa como eu se dizer de esquerda. O que poderá significar, hoje, ser de esquerda? Bem sei que o tema é quase estafado, tendo sido escalpelizado por mentes mais argutas e sapientes. Mas as respostas que conheço desvalorizam factores que me parecem tudo menos despiciendos.
Passo, então, ao meu caso - com a modéstia de quem admite uma idiossincrasia quase insuportável.
Correndo o risco de subvalorizar outros aspectos, julgo que a influência mais forte terá mesmo sido a televisão. Lembro-me, por exemplo, de estar a ver a série "AlôAlô" e perguntar ao meu pai: "Camarada pai, quem são estes senhores nazis?"
O meu pai, que nunca me quis influenciar politicamente, respondeu: "Camarada filho, estes senhores são a escumalha da direita. Uns porcos assassinos que dizimaram milhões de seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial."
Compreenderá, portanto, que as primeiras associações entre a direita e o extermínio sistemático de pessoas tenham ficado gravadas na minha mente com uma vivacidade que perdura até hoje.
Outro exemplo: a Abelha Maia. No episódio "Maia descobre um ladrão", há uma colónia de formigas que consegue armazenar comida suficiente para o Inverno. Acontece, no entanto, que um escaravelho consegue roubar uma quantidade assinalável de mantimentos, comprometendo assim todo o esforço das formiguinhas. No final, Maia e os seus amigos descobrem o escaravelho e obrigam-no a devolver o que tinha roubado. Lembro-me como se fosse hoje: nesse momento, eu e os meus amigos começámos a bater palmas, seguidos por todos os circunstantes que, tal como nós, se encontravam na sede do PCP. "Sacana de capitalista, esse escaravelho!Campo Pequeno com ele!", gritávamos. Assim se construía uma consciência de classe, guiada pela noção de justiça. Quando se tem seis anos, estas coisas marcam.
Talvez fosse mais fácil associar este sentimento canhoto a antecedentes familiares. Sei lá... um bisavô que andou metido na campanha de Humberto Delgado, por exemplo. Familiares próximos que foram lutar para África...Histórias de resistência...Mas isso seria menosprezar o papel que a televisão teve na formação ideológica da minha geração. E eu não quero simplificar. Eu quero perceber.
Pirata Fantasma
( continua )
2 Comments:
Excepcional:))
Espero que nos próximos episódios não se esqueçam da figura de culto do black adder... não sei porquê mas ultimamente tenho-me lembrado muito dele.
Deixa os homens em paz. Hoje só funcionam com cházinho de laranja.
Enviar um comentário
<< Regressar