Política a sério
Camarada Pirata,
Compreendo a tua profunda desilusão com a "política à portuguesa", infinitamente inferior em qualidade ao teatro de revista homólogo que se praticava no Parque Mayer ( e que se vai começar a praticar na Assembleia da República, muito provavelmente - e ainda com menos qualidade ). De facto, há dias em que acordamos, ouvimos a rádio, lemos os jornais, vemos o noticiário na TV, e só nos ocorrem pensamentos mórbidos e melancólicos. Não vemos soluções, não acreditamos em quem nos devia representar, reconsideramos planos de médio e longo prazo...Em suma, apetece-nos mandar isto tudo à merda e desatar a pôr bombas, não é verdade?
Pois bem, acontece que esse sentimento passa. Tem que passar. Tem que ser substituído pela inteligência que deus nos deu ( a minúscula é porque sou agnóstico, como sabes ), pela rara habilidade ( rara entre as espécies animais, entenda-se ) , de fazermos opções que determinam o curso da nossa vida e da vida dos nossos filhos. É um exercício que exige, simultaneamente, imaginação e pragmatismo. Quando a imaginação falha, entramos em gestão corrente, sem espaço para o sonho e para a esperança; quando o pragmatismo falha, entramos em delírios perigosos e a utopia transforma-se num conceito extraordinariamente negativo - a mim, faz-me pena. Por esta razão, talvez, é que há uma tendência para o chamado "centro político", sobretudo nos países com regimes democráticos mais ou menos estabilizados - como o nosso.
Quando votamos, estamos a escolher projectos que não correspondem, muito provavelmente, ao nosso ideal; estamos a escolher pessoas que não adoptaríamos como amigos ( nem como animais de estimação, nalguns casos ); estamos, enfim, a escolher o que nos parece menos desagradável ou o que nos oferece alguma esperança - mesmo que mínima. A percentagem de cidadãos que elegem deputados com a convicção forte de que estes correspondem ao seu ideal - humano, político, cultural - deve ser ínfima. Quem vota por interesses pessoais, esperando benesses e favorecimentos, tem este problema resolvido, claro está. Nós, cidadãos cumpridores dos nossos deveres fiscais, pais preocupados com o futuro dos nossos filhos, estudantes eternamente à espera de ter um ensino de qualidade, acabamos por ter que escolher entre listas com nomes de gente, sabendo à partida que alguns desses nomes designam indivíduos que nem deviam ter carta de condução.
É triste? É revoltante? De facto, chega a ser. Mas, no meio das listas, por vezes, aparecem pessoas nas quais somos capazes de confiar. Com alguma sorte, até acontece confiarmos no primeiro nome da lista. Pelo menos, podemos confiar que não vão estragar o pouco de bom que já se fez nos últimos trinta anos.
Ora, a escolha é sempre esta. E sabes porquê? Porque nem tu nem eu temos cartão de qualquer partido. Não andamos a colar cartazes nem a promover guerras intestinas, a apoiar futuros líderes ou a preparar "golpes de estado". E, sentados a beber um cafézinho, nem nos passa pela cabeça que isto pudesse acontecer, mas o facto é que alguém tem que o fazer. Ao fazê-lo, expõe-se às críticas e insolências de pessoas como nós, cínicos ( no bom sentido ) e gozões profissionais. Mesmo quando são bons, são vítimas do velho adágio sobre as companhias. Mas, nos momentos decisivos, temos que estar com atenção e ver para além da espuma dos dias.
Por tudo isto, deixa-me dizer-te só mais umas coisas:
1) não é verdade que Guterres tenha saído por uma causa menos nobre; saíu porque não sentia apoio de quem o elegeu - democraticamente;
2) quando saíu, os senhores que agora são governo pediram imediatamente clarificações e eleições imediatas; agora, não clarificam nada e acham que as eleições antecipadas são "inéditas", "inconcebíveis", "um golpe de estado constitucional", e outros disparates quejandos;
3) convém não esquecer que as eleições que levaram à demissão de Guterres eram autárquicas - poder local, estás a ver?; agora, foram para o Parlamento Europeu - como salientas, e bem -, portanto para uma esfera de decisão incomparavelmente mais importante; que a abstenção tenha sido o que foi é, afinal de contas, um sintoma de que não és o único a pensar dessa forma;
4) não é o descontentamento popular que legitima a decisão do PR - seja ela qual for -, mas antes a forte suspeita de que o programa de governo não pode ser cumprido sem as pessoas que o criaram e defenderam; eu, que nunca concordei com ele ( aliás, nem o vi, propriamente visto... ), gostava de votar novamente contra ele; assim, talvez acabe a votar contra outras coisas;
5) "eles" não aguardam parecer nenhum de ninguém; "eles" gostavam era de saber o que é que o PR vai fazer; só ontem é que o Barroso deixou de ser PM, convém não esquecer - depois há os tempos próprios para estas coisas; quanto ao resto, a "constitucionalidade" está toda do lado do PR, ao contrário das vozes que anunciam o bailinho da Constituição ( Independência para a Madeira! Já!! - podemos ficar com Porto Santo? ).
Bem, já me fartei de escrever. O Bloff é um espaço plural ( ina méne, dá cá uma pica escrever isto! ), com liberdade de opinião e com um espírito de discussão salutar e democrático. Tu disseste das tuas e eu, das minhas, tenho dito.
Regressemos à palhaçada!
Abraço do Pirata ( ex-CEO )
Compreendo a tua profunda desilusão com a "política à portuguesa", infinitamente inferior em qualidade ao teatro de revista homólogo que se praticava no Parque Mayer ( e que se vai começar a praticar na Assembleia da República, muito provavelmente - e ainda com menos qualidade ). De facto, há dias em que acordamos, ouvimos a rádio, lemos os jornais, vemos o noticiário na TV, e só nos ocorrem pensamentos mórbidos e melancólicos. Não vemos soluções, não acreditamos em quem nos devia representar, reconsideramos planos de médio e longo prazo...Em suma, apetece-nos mandar isto tudo à merda e desatar a pôr bombas, não é verdade?
Pois bem, acontece que esse sentimento passa. Tem que passar. Tem que ser substituído pela inteligência que deus nos deu ( a minúscula é porque sou agnóstico, como sabes ), pela rara habilidade ( rara entre as espécies animais, entenda-se ) , de fazermos opções que determinam o curso da nossa vida e da vida dos nossos filhos. É um exercício que exige, simultaneamente, imaginação e pragmatismo. Quando a imaginação falha, entramos em gestão corrente, sem espaço para o sonho e para a esperança; quando o pragmatismo falha, entramos em delírios perigosos e a utopia transforma-se num conceito extraordinariamente negativo - a mim, faz-me pena. Por esta razão, talvez, é que há uma tendência para o chamado "centro político", sobretudo nos países com regimes democráticos mais ou menos estabilizados - como o nosso.
Quando votamos, estamos a escolher projectos que não correspondem, muito provavelmente, ao nosso ideal; estamos a escolher pessoas que não adoptaríamos como amigos ( nem como animais de estimação, nalguns casos ); estamos, enfim, a escolher o que nos parece menos desagradável ou o que nos oferece alguma esperança - mesmo que mínima. A percentagem de cidadãos que elegem deputados com a convicção forte de que estes correspondem ao seu ideal - humano, político, cultural - deve ser ínfima. Quem vota por interesses pessoais, esperando benesses e favorecimentos, tem este problema resolvido, claro está. Nós, cidadãos cumpridores dos nossos deveres fiscais, pais preocupados com o futuro dos nossos filhos, estudantes eternamente à espera de ter um ensino de qualidade, acabamos por ter que escolher entre listas com nomes de gente, sabendo à partida que alguns desses nomes designam indivíduos que nem deviam ter carta de condução.
É triste? É revoltante? De facto, chega a ser. Mas, no meio das listas, por vezes, aparecem pessoas nas quais somos capazes de confiar. Com alguma sorte, até acontece confiarmos no primeiro nome da lista. Pelo menos, podemos confiar que não vão estragar o pouco de bom que já se fez nos últimos trinta anos.
Ora, a escolha é sempre esta. E sabes porquê? Porque nem tu nem eu temos cartão de qualquer partido. Não andamos a colar cartazes nem a promover guerras intestinas, a apoiar futuros líderes ou a preparar "golpes de estado". E, sentados a beber um cafézinho, nem nos passa pela cabeça que isto pudesse acontecer, mas o facto é que alguém tem que o fazer. Ao fazê-lo, expõe-se às críticas e insolências de pessoas como nós, cínicos ( no bom sentido ) e gozões profissionais. Mesmo quando são bons, são vítimas do velho adágio sobre as companhias. Mas, nos momentos decisivos, temos que estar com atenção e ver para além da espuma dos dias.
Por tudo isto, deixa-me dizer-te só mais umas coisas:
1) não é verdade que Guterres tenha saído por uma causa menos nobre; saíu porque não sentia apoio de quem o elegeu - democraticamente;
2) quando saíu, os senhores que agora são governo pediram imediatamente clarificações e eleições imediatas; agora, não clarificam nada e acham que as eleições antecipadas são "inéditas", "inconcebíveis", "um golpe de estado constitucional", e outros disparates quejandos;
3) convém não esquecer que as eleições que levaram à demissão de Guterres eram autárquicas - poder local, estás a ver?; agora, foram para o Parlamento Europeu - como salientas, e bem -, portanto para uma esfera de decisão incomparavelmente mais importante; que a abstenção tenha sido o que foi é, afinal de contas, um sintoma de que não és o único a pensar dessa forma;
4) não é o descontentamento popular que legitima a decisão do PR - seja ela qual for -, mas antes a forte suspeita de que o programa de governo não pode ser cumprido sem as pessoas que o criaram e defenderam; eu, que nunca concordei com ele ( aliás, nem o vi, propriamente visto... ), gostava de votar novamente contra ele; assim, talvez acabe a votar contra outras coisas;
5) "eles" não aguardam parecer nenhum de ninguém; "eles" gostavam era de saber o que é que o PR vai fazer; só ontem é que o Barroso deixou de ser PM, convém não esquecer - depois há os tempos próprios para estas coisas; quanto ao resto, a "constitucionalidade" está toda do lado do PR, ao contrário das vozes que anunciam o bailinho da Constituição ( Independência para a Madeira! Já!! - podemos ficar com Porto Santo? ).
Bem, já me fartei de escrever. O Bloff é um espaço plural ( ina méne, dá cá uma pica escrever isto! ), com liberdade de opinião e com um espírito de discussão salutar e democrático. Tu disseste das tuas e eu, das minhas, tenho dito.
Regressemos à palhaçada!
Abraço do Pirata ( ex-CEO )
5 Comments:
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Aqui não há censura nem défice democrático - infelizmente, também não há daquelas bananas pequeninas mas deliciosas. Os comentários apagados devem-se meramente a problemas técnicos. Prontosxch, isto tinha que ser dito.
Ó Piratas !
Como é que querem comparar o infinitamente incomparável ? Comparar o poder local com a Presidência da Comissão Europeia da forma como o fez o autor é menosprezar o poder local. Que é aquele onde conhecemos o men que manda ne gente !
Quanto ao resto ainda gostava que me dissessem como é que vamos conseguir melhor ensino, por exemplo, com a porcaria de profs que temos por esse país fora ?
O problema é um problema de fundo, de falta de capacidade de interpretação política dos nossos cidadãos que quando votam esperam pelo D. Quixote em dia de nevoeiro...
Voltem mas é às blofadas que isso é que é catita !
Ah, o poder local! A grande conquista do 25 do A!
Meu amigo, o poder local é o Narciso, a Fátima, o Avelino, o Curto, o Judas, e companhia ilimitada. Se isto é bom, eu vou ali defecar e já volto.
Quanto ao resto, tem toda a razão. Este país não vai a lado nenhum enquanto tivermos maus professores, péssimos médicos, horríveis polícias, incompetentes bombeiros, vigaristas mecânicos, criminosos empresários, nojentos executivos, ranhosos engenheiros, etc...( a ordem dos atributos é arbitrária ). Esta gente devia ser expulsa! Tudo corrido para aquela ilhota no meio do Atlântico!...como é que aquilo se chama?
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