O meu tio tinha um perdigueiro chamado Salazar. Era um cão muito dedicado e com um faro apuradíssimo para as perdizes. Um dia, o meu tio encontrou outro caçador no meio de um arrozal. Com uma perna ensanguentada, a pobre criatura arrastava-se penosamente, gemendo e afastando as moscas com a única mão que lhe restava. Vendo o sofrimento do homem, o meu tio parou de urinar e chamou o Salazar. Tirou do saco as cuecas da mulher do médico lá da aldeia, com quem mantinha relações pecaminosas, e deu-as a cheirar ao fiel animal. "Vai, Salazar, corre como o vento, meu leal companheiro", terá dito o meu tio. O valente canino correu desalmadamente até chegar à casa do médico. Reconhecendo o cão do meu tio, a mulher do médico começou a tirar a roupa, mas o Salazar ladrou tanto e tão alto que a adúltera desconfiou que algo se estaria a passar. Posto isto, chamou o marido, que dormitava ao pé do curral dos bois, como era seu hábito. "Salazar, o que te traz aqui?", perguntou o médico, sem se lembrar que os cães não falam. "Ó homem, os cães não falam!", relembrou-lhe a mulher. "É verdade, ai a minha cabeça!", disse o médico, sem supor que esta frase provocava a chacota dos seus interlocutores. Ao fim de uns minutos, o médico decidiu seguir o Salazar, que se agitava freneticamente contra a sua perna. "Pára com isso e leva-me lá ao teu dono, sacana do cão!", gritou o médico, sacudindo as calças. E lá foram, médico e cão, através de montes e vales, pela urze e pela giesta, até chegarem ao batatal de onde o fiel canídeo tinha partido. Ao ver que chegavam, o meu tio exultou de alegria, fechando a braguilha - pois tinha tido vontade de urinar novamente. "Ai, meu salvador!", gritou o caçador ferido, enquanto o Salazar se agitava freneticamente contra a sua perna sã. O homem foi levado para casa do médico, onde ficou a recuperar durante dois meses, por insistência da dona da casa. O meu tio ficou um bocado aborrecido, pois nunca foi muito amigo de partilhar, mas o Salazar - ah, o Salazar! - ficou na memória de todos os que ouviram esta história.
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O meu tio tinha um perdigueiro chamado Salazar. Era um cão muito dedicado e com um faro apuradíssimo para as perdizes.
Um dia, o meu tio encontrou outro caçador no meio de um arrozal. Com uma perna ensanguentada, a pobre criatura arrastava-se penosamente, gemendo e afastando as moscas com a única mão que lhe restava. Vendo o sofrimento do homem, o meu tio parou de urinar e chamou o Salazar. Tirou do saco as cuecas da mulher do médico lá da aldeia, com quem mantinha relações pecaminosas, e deu-as a cheirar ao fiel animal. "Vai, Salazar, corre como o vento, meu leal companheiro", terá dito o meu tio.
O valente canino correu desalmadamente até chegar à casa do médico. Reconhecendo o cão do meu tio, a mulher do médico começou a tirar a roupa, mas o Salazar ladrou tanto e tão alto que a adúltera desconfiou que algo se estaria a passar. Posto isto, chamou o marido, que dormitava ao pé do curral dos bois, como era seu hábito. "Salazar, o que te traz aqui?", perguntou o médico, sem se lembrar que os cães não falam. "Ó homem, os cães não falam!", relembrou-lhe a mulher. "É verdade, ai a minha cabeça!", disse o médico, sem supor que esta frase provocava a chacota dos seus interlocutores.
Ao fim de uns minutos, o médico decidiu seguir o Salazar, que se agitava freneticamente contra a sua perna. "Pára com isso e leva-me lá ao teu dono, sacana do cão!", gritou o médico, sacudindo as calças.
E lá foram, médico e cão, através de montes e vales, pela urze e pela giesta, até chegarem ao batatal de onde o fiel canídeo tinha partido. Ao ver que chegavam, o meu tio exultou de alegria, fechando a braguilha - pois tinha tido vontade de urinar novamente. "Ai, meu salvador!", gritou o caçador ferido, enquanto o Salazar se agitava freneticamente contra a sua perna sã.
O homem foi levado para casa do médico, onde ficou a recuperar durante dois meses, por insistência da dona da casa. O meu tio ficou um bocado aborrecido, pois nunca foi muito amigo de partilhar, mas o Salazar - ah, o Salazar! - ficou na memória de todos os que ouviram esta história.
Joel Ameixoeira, "Cão como tu"
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